Um ambiente escolar seguro e livre de ameaças de violência extrema depende da participação de toda a comunidade, da percepção precoce de de riscos e, especialmente, do acompanhamento dos hábitos de uso de dispositivos digitais por crianças e adolescentes. A premissa, indispensável para o momento de volta às aulas, ganha reforço neste 11 de fevereiro, data em que acontece a 22ª edição do Dia Internacional para uma Internet Segura. “Nos casos de violência extrema, o executor imediato é local e muitas vezes é adolescente. Mas, não raro, ele é cooptado, incentivado em redes sociais, em fóruns de conversa”, alerta o coordenador do Grupo de Atuação Especial de Combate aos Crimes Cibernéticos (Gaeciber), do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), André Salles Dias Pinto.
O Dia Internacional para uma Internet Segura, comemorado anualmente na segunda terça-feira de fevereiro, foi lançado na Europa em 2003 por entidades que defendem uma rede mais amigável e responsável, especialmente para crianças e adolescentes. Em Minas Gerais, o momento coincide com o período de volta às aulas, o que traz à tona a reflexão sobre a relação entre a segurança online e a vida escolar. Neste sentido, a cooptação de adolescentes para ataques em escolas está entre as preocupações mais relevantes. Isso porque a frequência de casos tem aumentado ao longo dos anos: mais da metade dos ataques com mortes no Brasil aconteceram de 2019 para cá. Relatório de 2022 da organização Campanha Nacional pelo Direito à Educação aponta histórico de 16 ataques, quatro deles apenas no segundo semestre daquele ano. Ao todo, ao longo das últimas duas décadas, foram 35 vítimas fatais e 72 feridos, além de traumas psicológicos e sociais derivados do pânico instaurado. O histórico mostra que é pela internet que crimes como esses são arquitetados e incentivados.
Se, por um lado, o crescimento do número de ataques a escolas planejados na rede causa preocupação, por outro, a atuação coordenada das instituições da Justiça e da segurança pública tem sido certeira na prevenção de novos acontecimentos do gênero. O promotor de Justiça André Salles lembra que, em 2023, todos os autores de ameaças a escolas mineiras que chegaram ao Gaeciber foram identificados antes que os planos fossem colocados em prática. Desse total, 68% das identificações aconteceram nas primeiras 24 horas após a notificação sobre a intenção de ataque. Os dados reforçam a importância de se denunciar as ameaças o quanto antes. “Nossa atuação só é efetiva e rápida porque a gente recebe denúncias da escola, dos pais, dos amigos. É o envolvimento da população que permite que isso seja rápido”, alerta Salles. “Então é importante que, ao se deparar com com alguma notícia de ameaça, que avise as autoridades o mais rápido possível para que seja identificado e possa ser adotada alguma medida”, complementa.
Para a identificação de possíveis criminosos, o Gaeciber conta com a atuação integrada de órgãos de segurança como as polícias civis e militares. “Essa articulação é muito importante porque permite a troca de experiências, trazendo uma atuação mais eficiente para a população. É uma atuação que vai desde a apuração inicial até, se for o caso, a sentença”, explica André Salles.
Cooptação
De acordo com o promotor de Justiça, a cooptação de crianças e adolescentes para a prática de atos de violência extrema acontece de forma aparentemente silenciosa, longe da atenção de pais e responsáveis. Isso porque os cooptadores são criminosos que, embora geograficamente distantes, se aproveitam do anonimato para preencher, via internet, eventuais momentos de solidão de um estudante. “Os pais não deixam os filhos irem sozinhos onde eles quiserem, nem com quem eles quiserem. Mas muitos pais deixam os filhos na internet sozinhos, sem supervisão, não sabem onde ele está entrando, com quem ele está conversando”, explica André Salles. “Quem tem filho não deixa que ele vá a uma boca do tráfico, por exemplo. Mas ao deixar que ele jogue um determinado jogo interativo com outras pessoas ou ar determinado site, o responsável está permitindo que o filho encontre pessoas que no mundo físico ele não teria contato”, acrescenta.
O relatório da Campanha Nacional pelo Direito à Educação apontou algumas características da cooptação para ataques extremos em escolas. Conforme o documento, os aliciados para ataques a escola são, em geral, adolescentes brancos e heterossexuais, movidos inicialmente por sentimentos comuns a esta fase da vida, como frustração e revolta. O aliciamento para o crime pode acontecer em fóruns de discussão na web, mas também em jogos que permitem interação entre jogadores. “É importante salientar que a escolha desse tipo de ambiente para interagir com adolescentes se dá porque os jogos são um dos recursos mais ados para a diversão, vazão de sentimentos de raiva e frustração e construção de vínculos sociais”, explica o documento. A isca para a aproximação entre criminosos e estudantes costuma envolver, ainda, uso de humor para despistar mensagens racistas ou nazistas, criação de polêmicas gratuitas baseadas em notícias fraudulentas e a disseminação de discursos violentos contra minorias.
Mudanças de comportamento
No entanto, se a cooptação pode parecer silenciosa, ela se expressa em comportamentos e atitudes dos estudantes no cotidiano, seja em casa ou na escola. “É uma escalada. É muito mais frequente que o estudante vá sendo cooptado aos poucos e que ele comece a apresentar uma alteração de comportamento, que comece a utilizar vestuários diferentes, a exortar símbolos nazistas ou que transmitam mensagens negativas”, exemplifica André Salles. O projeto Sinais, do Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS), entende que essas e outras mudanças repentinas de comportamento de adolescentes, como afastamento da família, interesse desmedido por massacres e episódios de violência e a defesa enfática de valores extremistas como racismo e xenofobia, devem ser entendidos como um pedido por socorro e atenção. “Tivemos uma reunião com colegas do MPRS reiterando o alerta sobre as ameaças e as situações de violência extrema em escolas. Educadores e famílias tem que estar muito atentos (a mudanças de comportamento dos estudantes), porque isso tem um potencial de enorme estrago. E a preocupação do Ministério Público é justamente da prevenção”, garante Salles.